Tessituras da morte nas tramas literárias
“O que seria da vida se não existisse a morte?”, essa é a
pergunta que se faz o personagem fictício que consegue o feitio de abolir a
morte, em A desintegração da morte,
livro de Orígenes Lessa. Virginia Woolf talvez não procurasse uma resposta para
essa pergunta [será?]. Ao encher os bolsos do casaco de pedras e se jogar nas
águas do Rio Ouse, em 1941, Virginia decide morrer. Deixa ao marido a famosa
carta:
“Querido,
Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer.”
Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer.”
Talvez os personagens do livro surrealista de Boris Vian, A espuma
dos dias, teriam aceitado a cura para a morte com contentamento. Não seria
nenhum spoiler dizer que Chloé, pouco depois de se casar com Colin, descobre a
existência de um nenúfar – sim, uma flor de lótus -, em seu pulmão e fenece. Em
conversa com o Religioso para os encaminhamentos do velório – num cemitério
dentro d’água – Colin duvida mesmo do poder de Deus.
“- Não... - disse Colin. - Posso chegar a cem se o
senhor aceitar ser pago em várias vezes. Será que o senhor se dá conta do que é
dizer 'A Chloé morreu'?
- O senhor sabe - disse o Religioso, estou acostumado, então isso não faz mais efeito em mim. Eu deveria lhe aconselhar a se dirigir a Deus, mas penso que, com uma soma tão fraca, talvez seja melhor não incomodá-lo.
- Oh! - disse Colin. - Não vou incomodá-lo. Não acredito que ele seja capaz de muita coisa, porque, veja só, a Chloé morreu.”
- O senhor sabe - disse o Religioso, estou acostumado, então isso não faz mais efeito em mim. Eu deveria lhe aconselhar a se dirigir a Deus, mas penso que, com uma soma tão fraca, talvez seja melhor não incomodá-lo.
- Oh! - disse Colin. - Não vou incomodá-lo. Não acredito que ele seja capaz de muita coisa, porque, veja só, a Chloé morreu.”
Virginia entrega seu corpo às águas do rio, assim como Chloé é
enterrada em um cemitério dentro d’água. Teria Lettes, o rio do
esquecimento, a mesma imagem não negativa ou funesta dos primórdios da
mitologia? Talvez.
Noutro ponto, podemos ser levados ao personagem de Dostoiévski tão
conhecido de muitos, o Homem do subsolo, o típico pessimista vivendo em seu
“buraco”. E já que a deixa permitiu, aqui no Brasil temos um conto bem próximo,
“O buraco” de Luiz Vilela. Renunciaram à vida? Talvez. Agarraram-se
demasiadamente a ela? Quem sabe...
E para finalizar, porque não a junção de duas obras de lá e de cá do
oceano? Intermitências da Morte, de José Saramago, e A desintegração
da morte, de Orígenes Lessa, vão quase pelo mesmo percurso que tentamos traçar aqui... fica a epígrafe do primeiro,
já que antecipamos um trecho do segundo:
Pensa
por ex. mais na morte, - & seria estranho em verdade
que
não tivesse de conhecer por esse facto novas representações, novos âmbitos da
linguagem.
Wittgenstem
Que a morte seja
algo que só se realiza na linguagem não podemos afirmar. Mas é fato que quando
falamos dela, quase sempre falamos daquilo que conhecemos indiretamente. E esta
não é a questão ontológica que tanto significado tem tido para as relações
atuais entre História e Literatura?
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